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Ronco, Apneia Obstrutiva do Sono e Doenças Cardiovasculares

Alguém já reclamou de seu ronco? Acorda engasgado como se tivesse parado de respirar durante o sono? Acorda cansado e fica sonolento durante todo o dia? Atenção: você pode estar com uma doença chamada Apneia Obstrutiva do Sono (AOS). A AOS trata-se de obstruções recorrentes da via aérea, levando à cessação da passagem do ar (parcial ou total) por dez segundos ou mais, várias vezes durante uma noite de sono.  Essas pausas respiratórias comumente se associam à queda da oxigenação e levam ao aumento dos despertares durante o sono, trazendo uma série de malefícios, como aumento dos riscos de acidentes automobilísticos e de doenças cardiovasculares. O principal desafio está na identificação dos fatores de risco, pois ainda é uma patologia subdiagnosticada e, por consequência, pouco tratada.

A AOS pode acometer cerca de 32 % da população, segundo estudo realizado na cidade de São Paulo.  As principais características que contribuem para o problema são: idade maior que 50 anos, sexo masculino, obesidade, aumento da circunferência cervical (diâmetro do pescoço maior que 43 cm em homens e maior que 41cm nas mulheres).  Anormalidades craniofaciais (como retrognatismo e macroglossia), aumento das amígdalas palatinas e hipotireoidismo também se associam ao seu aparecimento.

A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) ocorre quando as pausas respiratórias com cessação parcial ou total do fluxo aéreo totalizam cinco ou mais episódios por hora de sono, associadas à sonolência diurna excessiva ou com pelo menos dois dos seguintes: roncos, despertares recorrentes, sono não reparador, comprometimento da memória ou da capacidade de concentração e fadiga diurna.

A SAOS é diagnosticada através da história clínica, pelo exame físico e pelo exame de polissonografia, que é o registro das variáveis fisiológicas durante uma noite de sono, que pode ser realizado em um laboratório do sono ou em casa com dispositivos portáteis, dependendo da indicação do seu médico. As consequências da doença incluem baixo rendimento diurno, dificuldade de concentração, alteração no humor, insônia e prejuízo social pela dificuldade de dormir do parceiro. Também existem evidências de aumento do risco cirúrgico nos pacientes com SAOS que não são corretamente tratados, devendo ser ativamente investigados e tratados de forma adequada antes de alguns procedimentos cirúrgicos como cirurgias bariátricas. 

Diversos estudos científicos mostram associação entre doenças cardiovasculares e AOS. A Hipertensão Arterial Sistêmica apresenta correlação direta com a gravidade da AOS e desde 2003 já é recomendado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA o tratamento da AOS em indivíduos hipertensos como forma de reduzir os níveis pressóricos. Vários estudos demonstram que quanto mais grave o índice de apneia-hipopneia, mais elevados são os níveis pressóricos. Recentemente um grupo do Rio de Janeiro identificou que pacientes obesos assintomáticos entre 30-55 anos de idade e com índice de apneia-hipopneia maior que 15 eventos/hora de sono, apresentavam níveis de pressão arterial maiores que os indivíduos sem apneia. Existe, portanto, associação forte entre AOS e Hipertensão Arterial, em particular os casos de mais difícil controle. Além disso, há relação entre AOS e Insuficiência Cardíaca, Arritmias, Acidente Vascular Encefálico (derrame) e Infarto do Miocárdio. Nestes casos, é essencial o tratamento adequado da apneia para melhor controle das doenças cardiovasculares. 

O tratamento é individualizado e multidisciplinar, abrangendo medidas gerais: higiene do sono (que são as boas práticas que contribuem para a qualidade do sono), retirada de medicações ou bebidas alcoólicas que podem piorar os episódios de apneia durante o sono, perda de peso e tratamento das condições associadas (anomalias craniofaciais, nasais e de orofaringe que podem ser passíveis de cirurgia e devem ser adequadamente avaliadas por um médico otorrinolaringologista).

O tratamento específico pode ser realizado com aparelhos intraorais, dispositivos implantados de forma individualizada com o objetivo de avançar a mandíbula e desobstruir a via aérea durante o sono. Geralmente são indicados nos casos leves e devem ser avaliados com profissionais da odontologia especializados nesta área, com experiência em disfunções têmporo-mandibulares. E o tratamento padrão ouro é o CPAP, um sistema que emite pressão positiva contínua nas vias aéreas por meio de máscara nasal ou oronasal, eliminando o ronco e a obstrução da respiração durante o sono. Alguns estudos relacionam diminuição de mortalidade geral ao tratamento com CPAP. O tratamento ainda traz importante melhora na qualidade de vida das pessoas com SAOS, principalmente nos pacientes mais sintomáticos, e a redução do risco de acidentes pela sonolência diurna e das várias consequências das doenças associadas ao problema.

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